dois. depois que fundiu, fodeu.

Miriam e o chinês anão

Posted: 12.1.09 | Postado por Dois² |

Miriam era daqueles tipos estranhos, meio kitsch meio moderninha. Adorava cachorros, mas só o s de focinho achatado, daqueles que parecem a frente de um caminhão depois de uma batida. Tinha dois, um macho e uma fêmea. É desnecessário dizer que ela tratava as duas criaturas como se fossem realeza. Uma vez por semana iam ao petshop para terem os pelos escovados, unhas aparadas, orelhas limpas e toda aquela frescura que se faz em petshop. Então, uma vez a cada quinze dias Miriam levava os pequerrotes a uma clínica de tratamento estético para cães. Os cãezinhos tomavam banho de ofurô, faziam acupuntura, recebiam tratamento com um verniz especial nas unhas, e saíam de lá com a mesma cara com que entraram, amassada.
Miriam era uma pessoa muito solitária, daí sua paixão pelos dois cães.
Um dia, ao passar em frente a um bar – cujo donos eram chineses, provavelmente - e olhar de relance para dentro do bar, viu um anão, um anão chinês, também com a cara um pouco amassadinha; apaixonou-se de cara. No dia seguinte resolveu passar em frente ao singelo boteco novamente, mas desta vez estava decidida a entrar, mas só se o anão chinês estivesse lá. Não estava. Miriam ficou chateada, mas não se deu por vencida: esperaria pelo chinezinho o quanto precisasse esperar. Após três horas plantada em frente ao bar, resolveu entrar. Sentou-se ao balcão e pediu uma cerveja. O chinês – de altura regular – que estava atrás do balcão prontamente atendeu Miriam, mas não sem um olhar de estranheza: não era sempre que uma moça bonita e aparentemente rica e refinada sentava-se em seu boteco para beber. Mesmo com a estranheza estampada na face, o chinês – muito provavelmente o dono do bar, ou o irmão do dono – serviu a cerveja a Miriam, que bebericou sem demonstrar o nojo que sentia do cheiro que aquele lugar exalava.
- Vou dar um banho demorado no chinezinho. – pensou.
O bar estava quase fechando, e Miriam viu que o alvo de sua mais nova obsessão não daria as caras por lá. Pagou a conta – agora já havia bebido quatro garrafas de cerveja – e foi embora, decidida a esperar o quanto fosse pelo anão. E assim o fez, religiosamente, durante duas semanas, sem revelar a ninguém o motivo pelo qual ela havia se tornado a mais fiel cliente do boteco; o chinês dono do boteco adorou, é claro.
A esperança havia esvaido-se de Miriam, e ela, movida pela obsessão e desprovida de qualquer vergonha, resolveu perguntar pelo anãozinho para o dono do bar.
- Conheço, é o Cheng. Voltou pra China. – disse o dono, com um sotaque um tanto quanto carregado.
O semblante de Miriam já não era o mesmo, estava irreconhecível a pobre obcecada. Mas como obcecada boa é obcecada persistente, ela foi pra casa arrumar as malas; estava decidida: ia pra China.
Mas, como encontrar um chinês em particular dentre um oceano de chineses, e logo na China? Ora, Miriam só havia visto um único chinês anão em toda sua vida; logo, não deveria ser muito difícil achar os poucos chineses anões que ainda moram na China, e ela acharia.
Comprou passagem logo para o outro dia, e embarcou; os cachorros ela deixou em um hotel vagabundo, já que a passagem a deixou sem um puto no bolso e no banco.

O vôo foi tranquilo, e Miriam desembarcou em Beijing cansada, mas com a esperança de volta à face, coração e espírito.
- E agora, por onde eu começo? – pensou.
Tentou sem sucesso um inglês arranhado no guichê de informações. Se já era difícil pra ela entender o que o dono do boteco dizia em português, entender o que uma recepcionista falava em inglês, com o pior sotaque do mundo era praticamente impossível.
Depois de alguns dias de busca malsucedidas, ligou para uma amiga no Brasil.
- Jú, pelo amor de deus...sabe aquele boteco nojento, a dois quarteirões da minha casa? Vai lá correndo e diga pro cara que estiver no balcão que a moça que perguntou pelo Cheng há dois dias está na China procurando o Cheng, e precisa de alguma informação.
- Se você me explicar o que tá acontecendo eu vou sem nem pensar, amiga.
- Não dá tempo, Jú. Assim que eu voltar praí eu te explico tudo. Sério, vai lá pra mim, vai? É questão de vida ou morte.
- Tá, te ligo daqui a pouco. Beijos.
Jú foi correndo até o boteco, e conseguiu o número do telefone do anão, depois de muito tempo tentando explicar o que acontecia. Ligou para a amiga:
- Você se supera, Mi...incrível. Anota aí o telefone que o cara me deu. – e disse o telefone.
Sem se despedir da amiga, Miriam desligou, e rapidamente ligou para o número; a voz que atendeu parecia mesmo ser a de um anão, e Miriam explicou a situação para Cheng. Pediu para encontrá-lo, e disse a ele que o levaria de volta para o Brasil, o mimaria e faria todas as vontades dele, para depois de alguns bons minutos ouvir, num sotaque carregado, Cheng dizendo:
- Desculpa. Eu voltei pra China para viver com meu amor. Sou gay.

Miriam andou por duas quadras e se jogou debaixo de um ônibus lotado de chineses. Seus cachorros foram adotados pela equipe do hotel canino.

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